quinta-feira, 26 de julho de 2012

Caça aos novos talentos de TI

Os setores privado e público resolveram atacar juntos o problema da escassez de mão de obra de TI no Brasil e tentar reduzir o déficit de talentos na área, que, segundo previsões da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), deverá fechar 2012 com carência de 115 mil especialistas. O resultado prático dessa parceria é um plano nacional para formação de TI, voltado inicialmente para o aprimoramento de jovens matriculados em Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFECTs), que abrange cursos superior, básico e profissional.

A iniciativa tem por objetivo melhorar a capacitação dos estudantes da rede federal de ensino técnico para que os futuros profissionais de TI ingressem no mercado de trabalho mais preparados para suprir as demandas da indústria. É uma tentativa para diminuir a distância que existe hoje no Brasil entre o que as empresas pedem e o que escolas e universidades estão entregando.

A maior reclamação da indústria é que as instituições de ensino não conseguem formar mão de obra em linha com as exigências para atender a um segmento dinâmico com tecnologias que aparecem muito rapidamente, como os movimentos de cloud computing, mobilidade e consumerização. Há ainda o anseio das empresas por talentos com domínio não apenas da parte técnica, mas que tenham tino para negócios.    

O plano nacional de formação em TI vem inicialmente para atender à lacuna técnica. O projeto será implementado pela Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (Setec), órgão do Ministério de Educação (MEC), com apoio da Brasscom, entidade que reúne empresas nacionais e multinacionais do setor como Accenture, Algar Tecnologia, Atos, Cisco, Ci&T, CPM Braxis/Capgemini, EMC, Google, HP, IBM, Intel, Itautec, Microsoft, Oracle e SAP.

Essas empresas sofrem com a escassez de profissionais capacitados para sustentar o crescimento de seus negócios e acompanhar o vigor do mercado brasileiro de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), que gerou receita de 197 bilhões de dólares em 2011, com crescimento de 10,9% na comparação anual, segundo relatório da IDC, contratado pela Brasscom. Desse total, a indústria de TI respondeu por 102,6 bilhões de dólares com incremento de 11,3% e Telecom por 94 bilhões de dólares, com expansão de 10,4%, sobre o faturamento do exercício anterior.

A pesquisa mostra que o setor de TI tem peso significativo na economia do País, tendo respondido por 4,4% do Produto Interno Bruto (PIB) no ano passado. É um mercado considerado essencial para a competitividade e produtividade da economia nacional. Os estudos indicam que até 2015 o segmento continuará registrando taxas de crescimento em torno de 10%.

Segundo a Brasscom, o Brasil tem capacidade para se tornar um dos quatro principais centros de TI até 2022, com negócios de cerca de 210 bilhões de dólares, mais que o dobro do valor reportado no ano passado, representando entre 6% e 7% do PIB. Com esse arrefecimento, não há mágica. O País continuará demandando por mão de obra especializada e o déficit de talentos acompanhará a mesma taxa de crescimento da indústria.

O novo projeto faz parte das ações do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), criado pela presidente Dilma Roussef e regulamentado no final do ano passado com a missão de financiar cursos técnicos em larga escala para 8 milhões de brasileiros num período de quatro anos. Uma parte desse exército será formada por jovens que vão cimentar a base da pirâmide do setor de TI, já que hoje muitos profissionais qualificados acabam realizando tarefas básicas que poderiam ser exercidas por recém-formados.

“Conseguimos sensibilizar o governo sobre a necessidade de criar um plano nacional de formação para TI e saímos na frente por ser o único setor que já tem uma radiografia pronta, que mostra como está o mercado profissional, com refinamento em oito estados do País”, conta Sérgio Sgobbi, diretor de Educação e Recursos Humanos da Brasscom, que participa de reuniões com reitores de Institutos Federais de Educação Ciência e Tecnologia, ligados ao MEC e representantes do Sistema “S” (Senac, Senai, Sesc e Sesi), subordinados à Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Juntos, eles tentam formatar um programa para oferecer capacitação em TI para jovens do ensino técnico e estudantes de cursos superiores em tecnologia. “O secretário da Setec, Marco Antonio de Oliveira, abraçou a ideia e determinou a criação de um plano nacional”, afirma Sgobbi.

Mapa da qualificação de TI


O plano de capacitação que está sendo criado pela Setec e Brasscom, com base no diagnóstico do estudo “O Mercado de Profissionais de TI no Brasil”, realizado no ano passado pela associação, traça uma projeção dos alunos matriculados em cursos superiores da área entre 2010 e 2014, analisando grade curricular e taxa de evasão. O relatório englobou oito unidades da federação (BA, DF, MG, PR, PE, RJ, RS e SP), onde há maior concentração de companhias do setor.

Uma das constatações é que não há balanceamento entre os cursos que os alunos estão fazendo e o que as companhias demandam. Sgobbi cita o exemplo dos estados que formam profissionais de rede numa região em que as empresas buscam mais programadores. “Estamos fazendo um ajuste fino para buscar equilíbrio entre demanda e oferta”, conta o diretor da Brasscom.

Sgobbi constatou que um dos motivos para essa distorção é a falta de professores especializados em determinadas áreas, o que o plano nacional de formação de TI tentará corrigir. Sua previsão é que o projeto seja concluído neste semestre e possa começar em 2014 nos Institutos Federais de Educação, Ciência, e Tecnologia (IFECTs), que abrangem cursos superior, básico e profissional, que hoje somam 562 espalhados pelo Brasil.

“Acreditamos que o plano é o início de uma solução. Queremos atrair jovens para um setor, que é promissor, mas exige atualização constante. Esperamos poder dar respostas mais rápidas ao mercado”, afirma o diretor da Brasscom.

Aprendiz de TI

Um dos motivos da falta de talentos de TI é a carência de atrativos da profissão, que nem sempre é incentivada pelos pais, ao contrário do que acontece com outros cursos como Direito, Medicina e Engenharia. Para estimular o interesse da garotada a seguir carreira em tecnologia desde cedo, a indústria planeja também a criação do programa “Aprendiz de TI”, com modelo parecido ao adotado por empresas de outro segmento da economia. De acordo com a Brasscom, será implementado um projeto de aprendizagem, voltado para preparação e inserção de jovens a partir de 14 anos no mercado, conforme determina a lei.

Pela Lei 10.097/2000 de Aprendizagem, esses jovens podem ser contratados por companhias grandes e médias para capacitação profissional (prática e teórica). Ao se tornar um “aprendiz”, o estudante de ensino médio tem a chance de descobrir sua vocação para a carreira que pretende seguir. “Já montamos a grade do programa Aprendiz de TI e está em aprovação no Senai e MEC”, informa Sgobbi, reforçando que muitas organizações do setor têm interesse em trazer esses jovens com habilidade em tecnologia para seus quadros.

Para reforçar a capacitação de profissionais de TI que estão na universidade, a indústria vai apoiar o Programa Ciências Sem Fronteiras do governo federal, regulamentado no ano passado. O projeto do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e MEC prevê conceder até 75 mil bolsas em quatro anos. A ideia é promover intercâmbio de estudantes de graduação e pós-graduação no exterior para que busquem atualização e inovação em outros mercados.

“Sabemos que a possibilidade de um estágio lá fora melhora a qualidade dos profissionais brasileiros e estamos conversando com as companhias sobre a possibilidade de elas apoiarem essa iniciativa”, conta o diretor da Brasscom. Ele acredita que empresas como IBM, Microsoft, Intel e SAP e outras multinacionais que estão aqui podem fazer parcerias para enviar profissionais de TI para uma temporada de aprendizagem em suas unidades no exterior. É mais uma alternativa para aprimorar a capacitação dos talentos do País.

Lição de casa


Do lado das empresas, elas também estão fazendo a lição de casa para formar talentos com reforço dos programas de treinamentos. As ações passam por projetos de universidades corporativas, parcerias com instituições de ensino, novos processos de recrutamento de trainee e até mudanças na gestão de RH. São algumas medidas para reter cérebros e mantê-los longe da concorrência.
Uma das iniciativas que estão ganhando força nas corporações são os programas de trainee. O gerente da divisão de Tecnologia da Informação da consultoria Michael Page, Lucas Toledo, observa que muitas começaram a investir nesse tipo de estratégia. A Google é um exemplo disso.

“Muitas companhias selecionam estudantes que ainda estão na universidade ou recém-formados para capacitá-los de acordo com suas necessidades”, conta Toledo. Ana Claudia Reis, que é sócia e responsável pelas práticas de Tecnologia, Mídia, Telecomunicações e Serviços Profissionais da  CPPartners, acrescenta que mesmo empresas que já tinham ações nessa área estão fazendo reestruturação. A reformulação, segundo ela, faz parte de uma mudança das organizações para que obtenham mais sucesso nas contratações.

“Os programas de trainees estão sendo reestruturados porque as companhias têm de entender muito mais que apenas o perfil desses jovens inquietos. Mais importante do que colocá-los para fazer rodízios pelas várias áreas, é lançar desafios constantemente para mantê-los estimulados”, orienta a consultora.

“Os jovens não entram na companhia para fazer carreira, não querem rotina nem burocracia, porque olham desafio e inovação”, afirma a executiva. Muitos esperam, além os benefícios de praxe, participação nos lucros, pois têm espírito mais empreender do que as gerações anteriores. 
Em se tratando da formação desses jovens, Toledo analisa que os programas de trainee oferecem oportunidades de ensinar a eles não apenas a parte técnica, mas também aspectos de estratégias e negócios, competência muito exigida atualmente, mas rara de achar. “Hoje, avalio uma média de 250 currículos para encontrar cinco com requisitos solicitados pelos clientes”, informa o consultor.

Técnicos com “veia” para negócios estão sendo muito procurados, principalmente por empresas que desembarcam no Brasil. São os chamados analistas de negócios, que entendem de tecnologia e precisam saber como as ferramentas podem fazer a diferença para incremento de receitas. Como achar esse diamante virou uma operação de guerra, muitas corporações pararam de reclamar e investem pesado em treinamento, criando maior interação entre os times de negócios e os de TI com o objetivo de compartilhar conhecimento.

Toledo lembra que muitas tentaram buscar alguns talentos no mercado e até bancaram aumentos de salários para trazer profissionais da concorrência, inflacionando os salários. De acordo ele, esse foi um tiro no pé para algumas situações. “Alguns bons profissionais trocaram de emprego para ganhar mais, contudo não foram felizes nas escolhas. Hoje, as pessoas ficam onde gostam de estar e não só pelo dinheiro”, adverte o consultor.

RH ganha mais importância

Na avaliação de Ana Cláudia, uma das ações que as companhias estão adotando para resolver o problema da falta de talentos é o aprimoramento dos processos de contratação e de retenção. Em razão disso, ela diz que os departamentos de RH ganharam importância maior nas companhias com mudanças, inclusive de gestores, que precisam ter grande habilidade para conhecer a equipe de cima para baixo e criar programas de desenvolvimento de acordo com a cultura de cada um. A consultora observa contratações de diretores de negócios, que tenham perfil agressivo para conduzir essa área, que precisa acertar mais na hora de buscar novos profissionais.

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